a vida na roça
0 comentáriosartigo publicado na segunda edição da revista Review Slow Living, 2016
Dia desses, em 2013 – nem tão “dia desses” assim (rs) – um incômodo passou a me ocupar: não queria mais a vida que levava. Mesmo sentindo muito medo, resolvi mudar tudo. Depois de um casamento de oito anos, me separei e me apaixonei, não por outro homem, mas por uma cidadezinha no sul de Minas. A coisa foi tão avassaladora que, antes mesmo de sair do carro depois de uma viagem de pouco mais de quatro horas, eu estava completamente arrebatada por esse lugar, e o improvável, até pra mim, acredite, aconteceu. Precisamente duas visitas depois, eu estava aqui de mala, Gateréca (minha companheirinha cat-pet), e cuia. Amigos, conhecidos e afins estão sempre querendo saber o que é que tem aqui de tão bacana que me fez deixar pra trás Ribeirão Preto (São Paulo), para viver em Gonçalves (Minas Gerais). Em conversas com platéia interessada, enumero os encantos do lugar.
Um certo episódio na infância – que nomeio “metáfora da baleia” – me despertou para uma das coisas mais importantes: oportunidades surgem, mas também desaparecem. Estávamos eu e minha família no Playcenter, assistindo a um show aquático. Uma produtora do evento foi até a platéia, convidou eu e minha irmã para participarmos do próximo número, mas tímidas, dissemos “não”. No instante seguinte olhei para o meu pai, disse “eu quero sim!” e puxei a produtora pela blusa, mas as crianças ao lado já tinham topado. Por uma fração de segundos perdi pra sempre a chance de navegar numa piscina dentro de um bote rebocado por uma Orca. Hoje em dia, isso não é mais permitido e também não estou nem um pouco interessada, o caso não é esse. A oportunidade de ter vivido aquela experiência se foi pra sempre. Para a menininha, foi só uma frustração, mas à medida que eu amadurecia, o fato foi ganhando sentido. Muitas das minhas decisões são tomadas com referência a esse episódio.
Tudo estava favorável para que eu seguisse com o sonho – recentíssimo, quase que um sonho instantâneo (rs) – de viver aqui, na roça. O bote rebocado pela baleia numa piscina estava novamente bem na minha frente. Veja só: eu estava solteira, não precisava convencer ninguém a vir comigo, tarefa nada fácil; não tinha filhos, e eles precisam ficar perto de boas escolas, e cursos, e atividades; estava num limbo profissional, não estava contente com minha empresa; e eu também estava bem de saúde, sem nenhuma doença grave que requer proximidade com médicos ou hospitais. Tudo conveniente! Mas tudo isso poderia mudar no instante seguinte: eu poderia me casar de novo; ter filhos; abrir outra empresa; ou ficar doente. Aí, talvez, eu pudesse viver aqui na roça, mas só quando estivesse aposentada, com os filhos criados, e curada da minha doença gravíssima, ou seja, daqui 200 anos e caquética (rs).
Você deve estar pensando “mas que tagarelação sem fim, senhor”, e também se perguntando “onde é que o tal slow life vai entrar nessa história?”, que, afinal, é o que interessa nesse lero-lero todo. Pois digo, na “altura do calendário” – estou com 37 anos – não imaginava mais me submeter a grandessíssimas mudanças. Mas a vida é mesmo cheia de surpresas (boas). Cá estou, com riso fácil no rosto – ou no texto (rs) – seguindo num novo ritmo, em meio à natureza exuberante.
Sabe os “amigos, conhecidos e afins”? Aqueles que “estão sempre querendo saber o que é que tem aqui de tão bacana”. Eles também estão sempre querendo saber o que eu faço aqui, como me ocupo ao longo dos dias bucólicos. Sob olhares indecifráveis (rs), exponho a minha idéia de vida auto-suficiente – basicamente, eu conseguindo dar conta das demandas do meu próprio dia-a-dia – e listo inúmeros afazeres domésticos: organizar, lavar, limpar, cozinhar. Emendo com os desafios de ser artesã e exercer habilidades criativas, motoras e empreendedoras. Na sequência, relaciono as demandas complicadas, e infinitas, de tocar a obra da minha própria casa, na zona rural, em um pequeno município. Ninguém me interrompe, então sigo com toda uma ladainha sobre as dificuldades (sim!) de viver no campo – não pense que tudo são rosas e alecrins. Aí, finalizo esse cunvercê esclarecendo que faço tudo isso com imenso prazer. Afinal, não tomei a decisão de mudar de vida para passar dias preciosos absolutamente enlouquecida. Mas sim para viver melhor – sem antidepressivo ou remédio para dormir, que já precisei usar, devo confessar, sem orgulho nenhum, que fique claro! – e ter mais tempo livre. Tempo para ler todos os livros da minha, sempre crescente, biblioteca; ver todos os filmes da minha, sempre expansiva, lista; escrever todas as crônicas dos meus, sempre infindáveis, rascunhos; cozinhar todos os pratos da minha volumosa coleção de receitas.
Além do meu cotidiano, outras instâncias também mudaram. Minha alimentação, por exemplo. Adoro cozinhar, então preparo as minhas próprias refeições. Até porque não me anima nada dirigir seis quilômetros por uma estrada de terra capenga para fazer uma refeição. Aqui, são oferecidos semanalmente numa feira, uma variedade de alimentos frescos locais, orgânicos ou artesanais. Um banquete! Ainda não estou tão evoluída assim para plantar meu próprio alimento, isso demanda demais. Eu quero uma vida slow, lembra? Alguns hábitos – o ritmo acelerado das metrópoles – por mais cansativos que sejam, são difíceis de abandonar, afinal foram assimilados durante toda uma vida. Às vezes preciso dizer isso em voz alta, ou materializar escrevendo (rs), para lembrar a mim mesma o propósito de estar aqui.
No mais, a vida em Gonçalves (Minas Gerais), é simples – ou um luxo, dependendo do ponto de vista – e bem gostosa, como as melhores coisas da vida. Dizem e concordo!
Eita história compriiida (rs). Mas na roça é assim, a gente gosta de contar um causo, e isso eu tô aprendendo bem direitinho.